terça-feira, 24 de maio de 2011

Duas meninas, um coração.

Pessoal, mais um conto escrito pelo Luan! Muito lindo o texto e a proposta do trabalho dele.

Vamos participar aqui gente! Tenho certeza que vocês escrevem, produzem e criam coisas legais!

Não precisam ser especificamente relacionados ao que estamos discutindo! Sempre to esperando contribuições!

Abaixo do conto tem duas imagens das meninas e este é o blog criado pelo pai delas, a partir dele o Luan se inspirou: http://emmaandtaylorbailey.blogspot.com/

O Luan falou de uma música para ser lido ao som de...

Ele sugeriu David Bowie, mas como não conheço nenhuma dele que senti que encaixava, tomei a liberdade de escolher esta:

RadioHead - No Surprises



Bom proveito! =)



Duas Garotas, um coração

O que você estaca fazendo no dia 20 de setembro de 2006? Estudando, trabalhando, comendo, dançando? Seja o que for, certamente era muito diferente do que eu fazia. Eu era mãe. Minhas filhas eram siamesas.
Desde o principio os médicos nos alertaram sobre os riscos, entretanto decidimos meu marido e eu que faríamos o possível para que as duas sobrevivessem.
Os médicos não eram nada otimistas quanto ao estado de minhas filhas, poderiam morrer ao nascer. Elas viveram três anos.
Minha felicidade foi imensurável quando na sala de parto escutei o choro dos meus bebes. Elas eram lindas, elas estavam vivas. Elas saíram de mim.
Preparados para perdê-las ao nascer, estávamos felizes por aqueles primeiros momentos. E tínhamos medo também, por que a qualquer segundo elas poderiam morrer e toda alegria escaparia das mãos instantaneamente.
Os meses corriam depressa, todos aqueles anos, todas aquelas noites em que orávamos para que na manhã seguinte elas acordassem, todas aquelas manhãs admirando meus anjinhos dormir, observando atenciosamente sua respiração, toda a alegria ao constatar que elas estavam vivas.
Era praticamente impossível não se apaixonar por minhas filhas. Era impossível evitar que eu me emocionasse com cada nova descoberta delas. Me coração acelerava, eu tremia de medo. Eu tinha medo de perdê-las. As cirurgias, as consultas, as especulações pessimistas dos médicos. As esperanças.
É difícil ser mãe, é difícil não se emocionar ao olhar sua criatura e lembrar que foi no seu ventre que ela ficou durante nove intermináveis meses.  É impossível não amá-la, mesmo que todos a chamem de aberração, de doente, de diferente. É o seu filho. É um amor tão grande, tão lindo que não pode ser chamado simplesmente de amor. É amor de mãe, é um amor maior, é um amor diferente, é especial. E eu amei demais, sofri demais, fui feliz demais para o coração das minhas pequenas.
Elas suportaram. Elas eram felizes, elas não se importavam com o resto, era apenas o resto e eu custei a aceita-las como crianças normais. Minha vontade era agarrá-las, abraçá-las, protegê-las e não solta-las mais. Eu tinha medo. Foi com muito sacrifício que conseguimos marcar a cirurgia para que elas fossem separadas. Não queríamos escolher entre uma das duas. Seriam as duas.
Todos torciam por nós e mesmo que alguns dissessem que era arriscado não perdíamos as esperanças.
Não podíamos esperar mais. Nossas filhas dividiam um só coração e a pressão sobre ele era muito grande. Elas sofriam sem saber e nós sofríamos por elas. Queríamos o melhor, porém, esperávamos pelo pior, então a cada cirurgia bem sucedida íamos ficando mais felizes, mais confiantes. Até o dia da grande cirurgia.
O que você estava fazendo no dia 10 de agosto de 2010? Seja o que for definitivamente não era o mesmo que eu. Eu abraçava um medico, eu chorava, gritava, me escabelava, dizia que não, que não era justo, que não era certo, que não are verdade. Eu não sabia o que fazer. Eu não sabia o que sentir.  Minhas filhas estavam mortas.
Assim como é difícil descrever o amor, é impossível descrever a dor. É dor de mãe, é dor de perda. É um tiro no coração, é como arrancá-lo a força. Eu não tinha mais vontade de viver. Viver para que? Viver para quem? E mesmo esperando pela morte desde o dia em que nasceram, o dia de sua parda foi um choque para todos.
Mas aquele frágil coraçãozinho não conseguiu suportar todo o amor por aquelas cativantes garotinhas. Aquele pequeno coração, tão ingênuo, tão simples, tão generoso não batia mais.
Durante meses chorei, durante meses sofri, durante meses me perguntei o que mais eu devia ter feito.
O que fazer quando amar é a única coisa que pode ser feita?
A muito custo consegui voltar a realidade, uma realidade vazia, diferente daquela a qual eu estava acostumada. Eu ainda estava viva.
Hoje quando me lembro das minhas garotas as lagrimas vem à tona e sorrisos tomam conta do meu rosto. É uma mistura louca de tristeza e felicidade. As lembranças boas fazem minha vida valer à pena.
Seu retorno ao céu foi doloroso e macio e parte do meu coração será sempre reservado às minhas pequenas e adoradas gêmeas xifópagas.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Três contos sobre a fertilização

Pessoal, mais pra apreciar e degustar!! Olham só os lindos textos que o Luan escreveu naquele trabalho sobre a fertilização in vitro e a fecundação natural. Três pequenos gestos como aquele da foto da Lara. Detalhes textuais que transmitem uma delicadeza e precisão muito bonitas!

É pra aproveitar: =)

Obrigado Luan!

Três contos sobre a fertilização


Elas queriam tanto ter um filho que esqueceram-se do que seria mais importante: um pai. Disseram que não, não queriam ter um pai, seriam somente elas, duas mães.
O dia da introdução do óvulo no útero materno já havia sido marcado, o suposto pai já havia sido escolhido (branco, olhos azuis, cabelos negros, 1,73cm de altura) e a mãe já estava preparada. Estava pronta e ansiosa.
Não foi muito complicado o processo em sí, algumas horas sentada, alguns minutos em uma cama e nove meses depois, nasceu uma linda garota, de olhos azuis e pele clara que seria amada por duas mães e esquecida por um pai.

-*-

Eles eram casados há 2 anos e decidiram que já era hora de se iniciar uma família.
Foi uma noite linda, a lua cheia, brilhante, iluminava os becos escuros e as luzes das velas iluminavam o quarto. Por iniciativa dela claro, foram espalhadas pétalas de rosa por todo o apartamento. Em suma, o ambiente era perfeito.
Foi uma noite quente, depois, cada um do seu lado da cama, conversavam, faziam planos empolgados, bem dizendo a chegada de seu precioso bebê.
Talvez por amarem demais seu bebê e depositarem nele muito carinho, o bebê morreu ao nascer (de insuficiência respiratória, afirmaram os médicos). Era como se o mundo tivesse virado pó e nada mais fazia sentido. Sofrer, sorrir, seguir em frente. Olhar o quarto do bebê os fazia lembrar que ainda não haviam sofrido o bastante. Eles se culpavam. Mesmo que a culpa não fosse deles, ninguém tinha o direito de tentar convencê-los do contrário. Eles amavam seu bebê.
Nada os impedia de tentar de novo e de novo, exceto o fato de colocar a vida de outro pequeno indivíduo em risco, e isso os assustava. Optaram por adotar uma criança, ficariam felizes e deixariam uma criança feliz também. Esperavam ser felizes para sempre, um pai, uma mãe e uma criança.

-*-

Ela já tinha 45 anos e queria ter um filho. Os médicos diziam que era arriscado, mas ela não desistiu, precisava ter um bebê.
Seu marido, um homem de 50 e poucos anos, aceitou doar seus espermatozóides e apenas torcia para que tudo ocorresse de forma positiva. E tudo deu certo, exceto por um pequeno detalhe: ela queria ter um bebê, mas teve gêmeos.
Cuidou dos dois com muito amor e carinho, até que um dia, sem motivos aparentes, ela faleceu, com 62 anos. Ela viu seus filhos crescerem, mas não conheceria seus netos, seus bisnetos, suas noras, seus novos parentes. Nada seria de fato muito importante, afinal ela queria ter um filho, mas teve dois.